Podemos começar definindo o que significa o termo sócio-moral no livro das autoras Rheta De Vries e Betty Zan (bibliografia abaixo).
Sócio diz respeito às convenções sociais, regras de boa educação que regem o comportamento dos indivíduos de uma sociedade. Moral é o respeito às idéias e desejos do outro. A criança sócio moral não é aquela que obedece cegamente os adultos, a criança moral é aquela que segue as regras conscientemente em respeito aos que convive. Quando alguém segue essas regras fica difícil saber se a intenção é evitar punições e receber elogios ou é respeito e consideração pelos indivíduos com os quais convive. Por isso o termo é inseparável.
A criança pequena entende as regras de acordo com o seu nível intelectual e sua experiência através da convivência, dentro da família e na escola. Dentro da família ela aprende as regras privadas do grupo familiar. Não é sempre que as regras privadas coincidem com as regras do espaço público. Por exemplo, cada família tem suas próprias regras para a hora da refeição, pode-se comer com o prato na frente da TV, dentro do quarto, individualmente, a qualquer hora que se sinta fome, na mesa com os outros, lendo o jornal, etc… Já no âmbito privado, as regras à mesa são claras e rígidas. Portanto nem sempre se aprende todas as regras sociais em casa. É na escola que a criança convive com seus iguais, hierarquicamente falando. E, para que esse grupo maior e de direitos iguais, possa conviver bem é preciso combinar regras. É nessa negociação que começa a aprendizagem sócio-moral. É na hora da conversa, do infantil até o fim do ensino fundamental, que os alunos podem ser auxiliados a cooperar e a negociar. Como eles têm dificuldade em se colocar no lugar do outro, é na conversa que cada um conta ao outro como se sente em relação às brincadeiras de “mau gosto” ou à exclusão de uma brincadeira ou às fofocas maledicentes e combinam regras sobre estes assuntos e outros como: o uso dos materiais da sala, ambiente na hora do trabalho, e muitas situações que convivem com o cotidiano de uma classe. Esses aspectos, se não resolvidos, podem influir na aprendizagem acadêmica, portanto, quando surge um conflito, longe de entregar para alguém fora da sala resolver pensando em por para longe o que pode atrapalhar a aula, deve-se encará-lo de frente. Quase sempre é necessário resolver o problema conversando sobre ele e aproveitando para permitir que os alunos exercitem a construção da moral.
Fazendo um parênteses, uma forma de controlar o ambiente escolar para esses momentos de construção da moral é promovendo assembleias escolares, essa é a minha experiência pessoal há dezessete anos promovendo assembleias do 2º ao 9º ano. Tema do professor Ulisses Araújo, da Unicamp, e com quem apuramos nossa prática através de suas publicações e de sua palestra em São José dos Campos em 2005.
Construtivistas desde 1986, sempre entendemos a moral como um objeto de conhecimento, com o qual o aluno precisa interagir de forma curricular, assim como interage com a língua escrita e a matemática. “A moralidade se constrói assim como o conhecimento do mundo físico” e este é um dos paralelos entre os estudos das autoras e as pesquisas do desenvolvimento moral de Piaget.
A sugestão das autoras é a Roda da Conversa, momento em que decidem, combinam regras e discutem dilemas morais, não com o intuito de resolvê-los, mas para exercitar a argumentação e ouvir opiniões divergentes.
Piaget definiu moral como “um sistema de regras internalizado, e que o indivíduo segue como um princípio necessário para a vida em sociedade”. Voltando ao livro, para chegar ao grau máximo de internalizar essas regras como um valor, será preciso passar pelos níveis que Selmam, 1980, elaborou sobre o trabalho de Piaget . Esses níveis, vão da perspectiva egocêntrica (incapaz de pensar em outro ponto de vista que não o seu próprio) ao domínio do entendimento interpessoal. O professor tem como trabalho conhecer esses níveis e intervir para que o aluno progrida para um nível superior.
Selmam chamou de níveis e não estágios porque ao contrário do conhecimento físico, o indivíduo sempre poderá regredir ao nível inferior dependendo da carga afetiva envolvida. Ao professor cabe ajudar os alunos tanto na explicitação do conflito, aos quais muitas vezes falta clareza, quanto a guiá-los nas decisões do grupo, explicitando aquelas que fogem ao bom senso. “Neste ambiente o professor pede, sugere, persuade, ao invés de dizer, mandar, controlar”. A medida certa entre guiar co-operando e guiar mandando é a dificuldade deste trabalho, para o qual, há de se ter um perfil que reflita um real comprometimento com a teoria.
A influência deste ambiente no desenvolvimento da criança conforme fundamentam as autoras, é que “quando os adultos permitem que as crianças pensem e decidam sobre as regras, ajudam no desenvolvimento de um “self”(noção de si mesmo) seguro e estável”, enquanto que o ambiente escolar coercitivo, cheio de regras autoritárias, “propicia indivíduos inseguros, sem autonomia, que podem reagir com submissão, raiva ou dissimulação, por não entenderem as crenças e os valores das regras que lhe são impostas. A coerção limita a mente, personalidade e sentimentos das crianças”.
O ambiente escolar deve propiciar um ambiente sócio-moral construtivista, fortemente embasado em conhecimento teórico. Só a nossa aprendizagem sobre a construção da moral, será capaz de quebrar um paradigma, construído através de anos em escolas que negavam o relacionamento entre alunos.